Localizado na zona portuária do Rio, o Cais do Valongo, a chamada ‘Pequena África’ do Rio, foi o principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil e nas Américas, um dos maiores crimes contra a humanidade. O Brasil recebeu perto de quatro milhões de escravos, durante os mais de três séculos de duração do regime escravagista. Pelo Cais chegaram cerca de um milhão de africanos escravizados, em cerca de 40 anos, o que o tornou o maior porto receptor de escravos do mundo. Em 2017, o local foi declarado Patrimônio Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO).
No século XVIII, a cidade estava crescendo e a região do Valongo era afastada do centro da cidade. As autoridades resolveram retirar o desembarque de escravizados, levados da Praça XV para a Rua Direita, atual Rua Primeiro de Março, para afastar o que consideravam ‘problemas que o tráfico trazia’ (as doenças, a mortalidade e também o incômodo da elite portuguesa em relação à presença dos africanos que ali chegavam).
Por conta disso, o Marquês do Lavradio, em 1774, estabeleceu uma nova legislação, transferindo o mercado de africanos escravizados para a região. Em 1811, com o incremento do tráfico e o fluxo de outras mercadorias, foram feitas obras de infraestrutura, incluindo o calçamento de pedra de um trecho da Praia do Valongo, que constitui o Sítio Arqueológico do Cais do Valongo.
Ali eram fetos o desembarque e comércio de africanos escravizados que eram levados para as plantações de café, fumo e açúcar do interior do estado e de outras regiões do Brasil. Os que ficavam na capital, geralmente eram os escravos domésticos ou aqueles usados como força de trabalho nas obras públicas.
Segundo a historiadora Hebe Mattos, o complexo do Valongo era também um espaço de quarentena de aprendizado da língua, do trabalho, uma espécie de socialização para a nova vida que os escravizados teriam.
Maior sítio de memória da Diáspora Africana fora da África
O local foi desativado como porto de desembarque de escravos em 1831, quando o tráfico transatlântico foi proibido, sendo aterrado em 1843 para tornar-se o Cais da Imperatriz. “O Antigo Cais do Valongo foi alargado e embelezado para receber a futura imperatriz Teresa Cristina, que chegava para casar com D. Pedro II” (Soares, 2014).
Em 2011, com as obras do Porto Maravilha, as escavações permitiram encontrar milhares de objetos como botões feitos com ossos, colares, parte de calçados, amuletos, aneis e pulseiras em piaçava e peças usadas em rituais religiosos. Em 2012, a prefeitura do Rio de Janeiro transformou o espaço em monumento preservado e aberto à visitação pública.
Considerado o maior sítio de memória da Diáspora Africana fora da África, o Cais do Valongo é um símbolo material da memória da escravidão africana e das heranças culturais delas decorrentes. Reconhecê-lo como patrimônio da humanidade é conferir esse direito a população afrodescendente do Brasil, e por extensão, de todas as Américas, dentro do entendimento de reparação por séculos de escravidão e segregação racial.
Complexo do Valongo
Além de porto negreiro, o Valongo era também local onde os escravos se recuperavam fisicamente antes de serem vendidos como mão de obra nos mercados e incluía:
– O Lazareto: hospital de quarentena para recuperação dos recém-chegados doentes;
– Casas de Engorda: local onde eram alimentados para engordarem e serem vendidos,
– Armazéns de venda: local onde eram vendidos,
– Cemitérios dos Pretos Novos: fossas comuns onde eram jogados os africanos que chegavam sem vida após a desgastante rota marítima ao Brasil. Não tinham direito a cerimônia o que, para os escravizados, que seguiam seus rituais de passagem, poderia significar uma espécie de segunda morte.
Fotos: IPHAN Rio e ABr.