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Rio de Janeiro / Cotidiano

Letícia Sabatella: “Aprendo o tempo inteiro”

Por Claudia Mastrange

O olhar doce, mas imponente da Imperatriz Tereza Cristina na novela  Nos Tempos do Imperador, no ar na Globo, parece traduzir um pouco da personalidade da atriz Letícia Sabatella: uma mulher antenada com o tempo que vive seu país, talentosa, determinada no que se propõe a fazer, cidadã consciente, mas com a dose de suavidade necessária para encarar as durezas da realidade sem perder a ternura ou a clareza na voz.

Completando 30 anos de carreira, a atriz, de 50 anos, vive um excelente momento. Há anos ativista defensora das causas ambientais e indígenas, ela brilha na trama das seis, de autoria de Thereza Falcão e Alessandro Marson, e aguarda ansiosamente a reprise da novela O Clone, sucesso internacional da teledramaturgia brasileira, que volta ao ar no Vale a Pena Ver de Novo. Letícia também lançou recentemente o álbum da Caravana Tonteria, em que exercita sua vertente cantora e compositora.

Ou seja, é o exercício dessa força feminina na potência máxima. E ela perpassa também no universo de Nos Tempos do Imperador.  “A gente esta aprendendo muito com a novela, o tempo inteiro. Eu e todo o elenco com essa história, ainda mais nesse momento também…”, contou a atriz em entrevista a Fátima Bernardes, no programa Encontro.

Letícia não esconde seu encantamento com a imperatriz  e destacou a importância da personagem. “Foi um verdadeiro estudo arqueológico descobrir sobre a Teresa Cristina estou aprendendo muito com a novela. Ela foi a última imperatriz do Brasil, sofreu com o desmonte da monarquia, do regime que se instalou.. Esteve sempre à sombra dos homens, e de Pedro II, que era um homem muito forte.  Há muita idiossincrasia, os personagens são muito complexos”, analisa. “Mas Teresa era muito querida. Tinha um espírito de caridade muito grande e tinha um apreço muito grande pelo Brasil. Foi muito homenageada pelo povo, não à toa as cidades derivadas de seu nome, Teresina, Teresópolis e outras.”

Na pele da imperatriz Teresa Cristina em Nos Tempos do Imperador

“Além de ser muito estudiosa – estudava arqueologia e fazia projetos arqueológicos-, ela era antiescravagista e alforriava cativos.  Há relatos de que Teresa tinha discussões sobre isso até com o próprio imperador, na época.  Cantava óperas, gostava de artes. Eles eram patronos de artes… Acolheram muitos anarquistas. Bom ressaltar a humanidade da personagem”.

O amor da imperatriz pela chamada ‘terra brasilis’, também tocou Letícia. “Ela era muito apaixonada pela Brasil. Diferente da princesa Leopoldina,, não ficava desconfortável aqui. E se apaixonou por Dom Pedro e eles constituíram uma família. Tiveram uma harmonia também. Eles se conheceram por carta, antes de virem para cá. Então descobrimos nas cenas, essa química que acontece. Ela tem sentimentos verdadeiros  pelo marido, disse, elogiando também o parceiro de cena , Selton Mello, que vive Pedro II. “O Selton interpreta esse personagem  com muito carisma e corresponde muito ao que foi essa figura. E é um ator de uma sensibilidade incrível. A parceria com o elenco também é incrível”, destacou.

A atriz contou que é um aprendizado e tanto viajar no tempo e mergulhar de cabeça nos tempos da formação do país e suas questões históricas e sociais. “A relação toda desse Império com a escravidão, com muitas contradições. Uma dificuldade de um país ainda muito arcaico, conduzido por coronéis”, pontuou, ressaltando a importância de fazer o contraponto com as questões dos dias atuais.

“Muito legal fazer a novela agora e ter o público reagindo. Porque, com a pandemia tivemos uma mudança de era. Essas questões estão muito prementes. Do feminismo, da violência doméstica, das mulheres sem voz…  No caso da Tereza Cristina, a voz dela foi calada por séculos nessa história. Então essa empatia agora teve ligação com essa característica, de as mulheres terem voz, podendo falar, existir, e não só atrás dos grandes homens. Não só à sombra, mas existindo, colaborativas. Tem as personagens da Pilar (Gabriela Medvedoviski), [ que se torna a primeira médica do Brasil]; Mãe Cândida (Dani Ornellas) [líder espiritual da Pequena África]; Lupita (Roberta Rodrigues) [vende cocadas e luta para comprar sua carta de alforria]”.

Mocinhas e bandidas

De volta : a atriz viveu a Latiffa, em o Clone

Quando aquela menina de cabelos castanhos e olhos grandes surgiu na telinha, na novela O  Dono do Mundo, em 1991, logo cativou o púbico. Pudera. Letícia Sabatella, ou melhor Taís, vivia um romance de conto de fadas com seu Beija-Flor (Ângelo Antônio).  Tudo bem que a trama principal tinha Antônio Fagundes seduzindo Malu Mader e tentando tirar a virgindade da noiva na noite de núpcias da protagonista da novela de Gloria Perez. Mas, fora do ar, o público queria mesmo era acompanhar o romance real de Letícia e Ângelo, que gerou um fruto: a filha Clara. A menina nasceu prematura, com 6 meses, e ficou internada por três meses antes de ir para casa com os pais. Hoje é uma linda jovem de 28 anos.

São tantas emoções e personagens… Durante o Encontro, a atriz recordou um pouquinho de sua bela trajetória, quando Fátima apresentou um quadro com nove personagens que ela encarnou. “Foi minha escola maior, aprendizado. Imagina. Olhar para isso é olhar para a equipe, tudo que esta por trás no momento que você aparece   Qualquer personagem é a pontinha do iceberg, é o coletivo que conta essa história e participa na manifestação desse arquétipo”, disse ela, que adorou recordar a Yvone , de Caminho das Índias (2009) por ser uma vilã. .

“Foram muitos tipos… Como a Tais, que  era prostituta, tinha suas contradições e um caráter duvidoso. A Latifa, de O Clone,  era a muçulmana que lutava para o marido ser só dela, sem outras esposas, e tinha um lado cômico também. Foi muito divertido fazer. Já a Yvone era uma psicopata moderada, com sutileza bem delicada de interpretar, mas riquíssima essa personagem da Glória (Perez, autora)

Para Letícia, O Clone foi uma novela encantadora, A gente teve uma imersão muito forte, li todos os livros  que a Glória leu,  vi todos os filmes… É como eu gosto de estudar. A gente fez uma  trupe de ‘Commedia Dell’ Arte’ e não víamos o tempo passar. Eu fui pra Russia! Já havia passado quatro vezes lá e muitos aprenderam português por causa da novela. A música, as cores o universo, era tudo muito rico. Misturava o subúrbio com o universo árabe. Víamos essa identificação.  Havia um risco de preconceito grande surgir, na época por conta da comunidade muçulmana na trama e dos atentados às Torres Gêmeas (em 2001). Mas foi mágico”, recordou.

“A música vem organicamente!”

Cantora e compositora: Letícia solta a voz na Caravana Tonteria

Depois de rodar o Brasil por cinco anos, a Caravana Tonteria de Letícia Sabatella ganhou as plataformas de música, via gravadora Biscoito Fino. O álbum digital registra o repertório do espetáculo e reúne canções de compositores como Chico Buarque, Tom Jobim, Caetano Veloso, João Donato e Arrigo Barnabé, entre outros. “As músicas que tocamos nos shows estão no álbum lançado nas plataformas digitais. É a primeira vez que estamos gravando”, revela Letícia.

Gravado em janeiro deste ano, o álbum ganhou shows virtuais em julho e ampliou ainda mais o alcance do projeto, e revela a intimidade de Letícia Sabatella com a música. Isso porque, além de intérprete, ela também assina cinco das 13 canções do álbum. Seu método de composição surge de sua relação musical com o texto e o teatro.

“A música vem na nossa mente organicamente, mesmo em momentos em que estamos executando alguma atividade cotidiana. Se a gente ouve esse estado que vem medicinalmente, sem pensar, e o registra, acaba conseguindo transformar e lapidar. Esse é mais ou menos o meu processo de deixar vir no inconsciente essa pedra bruta, para depois ir lapidando”, conta a atriz e cantora.

A formação da banda foge do convencional – piano acústico: Paulo Braga; baixo acústico: Zéli Silva; serrote: Fernando Alves Pinto; serrote e percussão: Daniel D’Alcântara (músico convidado). “A direção musical é feita em sistema cooperativo, distribuída entre os quatro integrantes do grupo”, conta Paulo Braga, que além de pianista da banda é o diretor musical.

“No início, a pandemia me deixou num estado de alerta, de urgência, de socorro, de querer ajudar a questão indígena, meus amigos, parentes, as pessoas que estavam mais vulneráveis, a família. Eu aprendi que o protocolo é um recurso que podemos tratar. Só que exige uma atenção extrema, um cuidado com o outro, um respeito, e trabalhando durante a pandemia tive essa consciência. Estou tendo o privilégio de poder estar num lugar seguro, fazer um show com todos os protocolos de segurança, lançar um álbum pela Biscoito Fino e ainda gravar uma novela”, finaliza a atriz e cantora.

 

Em defesa da causa indígena

As questões ambientais, dos direitos humanos e causas indígenas são uma preocupação de muitos anos para Letícia, assim como a simpatia pelo Movimento Sem Terra.  Ela defende e busca um modo de vida mais natural, menos consumista e não ingere carne, pois não concorda com o sofrimento a que os animais são submetidos.

Em 2012, a atriz lançou o documentário Hotxuá, sobre os índios Khraô, que dirigiu ao lado de Gringo Cárdia “Saí de lá apaixonada pelos krahôs. É um lugar paradisíaco, onde andamos descalços pisando na areia branca. Passei todo o tempo com o corpo pintado de urucum, que funciona como roupa. O documentário é sobre os hotxuás, palhaços sagrados da aldeia, figuras tão importantes quanto o cacique e o pajé. O palhaço tem a função de manter a auto-estima e o humor da tribo. Em outras etnias, ocorrem suicídios motivados por depressão, por causa da perda da terra e da desestruturação social e cultural. Graças aos hotxuás, isso não ocorre entre os krahôs. Saí de lá pensando que não posso me dizer artista e me deslumbrar com o sucesso enquanto eles não forem reconhecidos”, contou à Quem, na época.

Em 2014 participou do movimento “Uma gota no oceano”, em apoio aos povos indígenas Tamuaté-aki. Em 2018  também se engajou em uma campanha, ao lado de Wagner Moura, em defesa das tribos isoladas, os povos mais vulneráveis no planeta.

Fotos:  Paulo Belote TV Globo ,João Miguel Junior /TV Globo e Flávia Canavarro